Achei muito interessante este texto da Ligia Guerra.
Estranho? Nem tanto. Se depois de ler esse texto você achar que ainda está vivo, ótimo!
Caso contrário, é bom repensar se ainda existe algum sopro de vida aí dentro. Vou contar como tudo aconteceu.
A minha primeira parcela de morte aconteceu quando acreditei que
existiam vidas mais importantes e preciosas do que a minha. O mais
estranho é que eu chamava isso de humildade. Nunca pensei na
possibilidade do auto abandono.
Morri mais um pouquinho no dia em que acreditei em vida ideal, estável, segura e confortável.
Passei a não saber lidar com as mudanças. Elas me aterrorizavam.
Depois vieram outras mortes. Recordo-me que comecei a perder gotículas
de vida diária, desde que passei a consultar os meus medos ao invés do
meu coração. Daí em diante comecei a agonizar mais rápido e a ser
possuída por uma sucessão de pequenas mortes.
Morri no dia em que meus lábios disseram, não. Enquanto o meu coração
gritava, sim! Morri no dia em que abandonei um projeto pela metade por
pura falta de disciplina. Morri no dia em que me entreguei à preguiça.
No dia em que decidir ser ignorante, bulímica, cruel, egoísta e desumana
comigo mesma. Você pensa que não decide essas coisas? Lamento. Decide
sim! Sempre que você troca uma vida saudável por vícios, gulodice,
sedentarismo, drogas e alienação intelectual, emocional, espiritual,
cultural ou financeira, você está fazendo uma escolha entre viver e
morrer.
Morri no dia em que decidi ficar em um relacionamento ruim, apenas para
não ficar só. Mais tarde percebi que troquei afeto por comodismo e amor
por amargura. Morri outra vez, no dia em que abri mão dos meus sonhos
por um suposto amor. Confundi relacionamento com posse e ciúme com zelo.
Morri no dia em que acreditei na crítica de pessoas cruéis. A pior
delas? Eu mesma. Morri no dia em que me tornei escrava das minhas
indecisões. No dia em que prestei mais atenção às minhas rugas do que
aos meus sorrisos. Morri no dia que invejei , fofoquei e difamei. Sequer
percebi o quanto havia me tornado uma vampira da felicidade alheia.
Morri no dia que acreditei que preço era mais importante do que valor.
Morri no dia em que me tornei competitiva e fiquei cega para a beleza da
singularidade humana.
Morri no dia em que troquei o hoje pelo amanhã. Quer saber o mais
estranho? O amanhã não chegou. Ficou vazio… Sem história, música ou cor.
Não morri de causas naturais. Fui assassinada todos os dias. As razões
desses abandonos foram uma sucessão de desculpas e equívocos. Mas ainda
assim foram decisões.
O mais irônico de tudo isso?
As pessoas que vivem bem não tem medo da morte real.
As que vivem mal é que padecem desse sofrimento, embora já estejam mortas. É dessas que me despeço.
A Coragem
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